sexta-feira, março 14, 2025
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Feito há 40 anos, inédito disco

por Redator
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A razão do arquivamento foi o fato de o álbum ter sido considerado “maluco” numa época em que os executivos das gravadoras e o público já estavam habituados a ouvir canções mais palatáveis do compositor e pianista acriano, letradas com sucesso por compositores populares como Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Decorridos 40 anos, eis que o álbum inédito ressurge (em parte) na caixa A mad João Donato, lançada pelo selo carioca Discobertas neste mês de março de 2018 com edições em CD de outros dois álbuns inéditos do artista e de também inédita coletânea de gravações raras.

Capa da caixa ‘A mad João Donato’ — Foto: Divulgação / Selo Discobertas

Intitulado Gozando a existência nessa primeira edição oficial, o disco – que tinha até nome alternativo, Prossiga – vem à tona na forma de álbum simples, gozando de plenas faculdades musicais a julgar pelas nove faixas recuperadas pelo pesquisador musical Marcelo Fróes desde que, em 2014, começou a investigar o acervo de Donato. Tanto que o som (tecnicamente) esmaecido é redimido pelo alto valor documental da edição.

Contrariando a natureza habitualmente autoral da discografia do artista, Gozando a existência é álbum de intérprete, apresentando somente uma única música assinada por Donato, a composição que dá nome ao disco. Gozando a existência, a música, aparece com o vocal de Alaíde Costa no único registro realmente experimental do repertório, de 11 minutos e 23 segundos (consta que a gravação integral contabilizava 26 minutos).

Contudo, mesmo sendo trabalho de caráter gregário por ter sido gravado com diversos músicos e cantores (não creditados na edição pela inexistência de ficha técnica), o disco tem a reconhecível assinatura de Donato, seja no balanço da bossa Praia (Helvius Vilela) – composição sem letra, de melodia conduzida pelos vocalizes de Donato – seja no suingue de Zra Zra (Fernando Leporace), tema instrumental que abre o disco.

Em contrapartida, o canto empostado de José Amin (cunhado de Donato) em Acalanto para enganar Regina (Lysias Enio e Esdras Silva) se distancia da modernidade e da leveza que pautam a música de Donato desde a década de 1950.

De qualquer forma, não há, a rigor, maluquices ao longo do disco. Há, sim, a liberdade musical que norteia a jam feita ao fim do registro inicialmente convencional do Canto da Lira, cujo solista vocal é ninguém menos do que Djavan, compositor da música que seria gravada por Wanderléa em 1978 no álbum Mais que a paixão e que somente seria registrada oficialmente pelo autor seis anos mais tarde no álbum Lilás (1984).

Canto da Lira representa flerte de Donato com a música nordestina, natural para quem se iniciou na música no toque do acordeom, antes de se consagrar como pianista e compositor cheio de bossa latina. Mais inusitadas são as conexões do artista com o repertório dos compositores ligados ao mineiro Clube da Esquina.

Músicas que seriam lançadas por Milton Nascimento no álbum Clube da Esquina 2 (1978), Testamento (Nelson Angelo e Milton Nascimento, 1978) e Toshiro (Novelli) integram o repertório de Gozando a existência ao lado de Olho d’água (Paulo Jobim e Ronaldo Bastos), outra composição que iria para o álbum duplo de Milton por conta do abandono do disco de Donato. Completa o repertório o tema instrumental Fibra (Eloir de Moraes e Paulo Moura).

Enfim, ainda que o título engenhoso da caixa A mad João Donato brinque com a fama de maluco do disco (mad, em inglês, significa louco), com alusão ao título do elétrico álbum norte-americano A bad Donato (1970), a maior insanidade é de quem não percebe a razão (sem a lógica da música comercial) que guia o som de João Donato. (Cotação: * * * 1/2)

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